Matéria publicada na revista Ela do Jornal O Globo, em 3 de janeiro de 2021, com o título Qual a hora de parar?, traz uma breve visão da psicanalista Sandra Niskier Flanzer sobre as consequências psíquicas do uso excessivo de telas – em especial em jogos e redes sociais – na vida dos adolescentes brasileiros.

A reportagem aborda as consequências da tecnologia no desenvolvimento psíquico abordadas pela psicanalista em seu recém-publicado livro Jovens em Tempos Digitais. Para Flanzer o que está em pauta é a “hiperconectividade, potencializada pela pandemia” que aponta para uma primazia cada vez maior da imagem, podendo causar uma “distopia social e uma visão equivocada da vida”.
O que mais chama atenção, no entanto, é a abordagem da autora sobre as consequências da adicção digital: “ao ficarem isolados, [os jovens] desaprendem as artimanhas e o traquejo do convívio social, enfraquecendo (por falta de treino) a musculatura dos exercícios básicos de civilização.” A matéria termina com a questão “será que todos nós vamos nos tornar adictos?”
Mais do que um questionamento em relação à adicção deliberada que os mecanismos dos jogos e das redes sociais nos impõe, o grande questionamento que a matéria nos traz é sobre a própria concepção de civilização.
Freud, em O Mal-Estar na Civilização (1930) aponta:
De fato, o homem primitivo estava melhor, pois não conhecia restrições ao instinto. Em compensação, era mínima a segurança de desfrutar essa felicidade por muito tempo. O homem civilizado trocou um tanto de felicidade por um tanto de segurança. Mas não nos esqueçamos que na família primitiva somente o chefe gozava dessa liberdade instintual; os outros viviam em submissão escrava. (FREUD, 2011: 61)
Para Freud, a agressividade instintual introjetada pelo sujeito diante da cultura, volta-se contra o próprio sujeito sob a instância do supereu: “a civilização controla então o perigoso prazer em agredir que tem o indivíduo, ao enfraquecê-lo, desarmá-lo e fazer cm que seja vigiado por uma instância no seu interior, como uma guarnição numa cidade conquistada” (ibidem: 69).
Sendo assim, a questão que pode-se colocar é: ao se atrofiar o músculo que sustenta a nossa civilização, qual o limite para a agressão que a realidade virtual permite? Indo além: por quanto tempo uma civilização com um supereu atrofiado se sustenta?
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Bibliografia
DISITZER, Marcia. Qual a hora de parar?. Revista Ela, Rio de Janeiro, p. 24, 25, janeiro, 2021.
FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2011. [1930]